TAXONOMIA
Taxonomia é a ciência da identificação. Talvez, a mais velha de todas as ciências, pois nasceu com o homem, mas, com toda certeza, a mais necessária. Entretanto, paradoxalmente, é a menos valorizada de todas as ciências. Diz-se, inclusive, que já está um tanto fora de moda. Fazer taxonomia é pouco no entender da maioria das agências de fomento à pesquisa em nível mundial e, pasmem, até dos próprios cientistas. Estimular estudantes a enveredar pela taxonomia vem se tornando, a cada dia, uma tarefa mais e mais árdua e pouco compensadora. De fato, exceto pelos seus primórdios, a taxonomia sempre foi uma ciência pouco entendida. Muitos não a vêem como uma ciência de primeira classe, pois entendem ser muito fácil nomear os seres vivos. Ledo engano. Identificar não é simples. Ao contrário, é somar conhecimento, é realizar primeiro uma profunda análise para, só depois, efetuar a síntese desse conhecimento e chegar a um "simples" nome: o nome da espécie, do gênero, ou do que for. Não se deve confundir a tarefa do taxonomista com a de um sacerdote, que aplica um nome já definido. O taxonomista jamais aplica, ele conclui o nome. Fala-se muito hoje em taxonomia moderna, mas isto não existe. A taxonomia é uma ciência una, porém, que progride com o uso continuado e cuidadoso de ferramentas. Surgiu no passado utilizando a expressão mais eloqüente do genótipo: o fenótipo. E assim continua desde então. A diferença entre a taxonomia de ontem e a de hoje está apenas nas ferramentas empregadas, que evoluíram bastante e permitiram conhecer melhor a atuação dos genes nos espécimes através do uso da microscopia eletrônica de varredura e da informação gerada por outros campos da ciência como, por exemplo, da ecologia, citologia, genética, bioquímica, biologia molecular, matemática, etc. Pode-se, então, falar em taxonomia moderna em oposição à taxonomia antiga? Melhor não o fazer, pois, neste caso, seria necessário também falar em genética moderna, citologia moderna, ecologia moderna, etc. E nada disso existe. Há a ciência que evolui ao se atualizar no uso das ferramentas e dos subsídios de outras, mas que não deve, por isso, ser chamada de moderna. é importante também mencionar que a taxonomia visa a identificar espécies e não espécimes. A espécie é um grupo de indivíduos (espécimes) que mostram, em maior ou menor grau, a variabilidade intrapopulacional sempre presente. Conhecimento do polimorfismo é fundamental para a circunscrição da espécie, porém, é preciso atentar para o fato de jamais identificarmos indivíduos. Aliás, esta é a missão precípua do taxonomista: conhecer a variabilidade e separá-la em intra e interpopulacional. Contudo, mesmo a trancos e barrancos, a taxonomia vai continuar por que é absolutamente necessária e imprescindível. Cambaleia por conta dos modismos e da má visão ou do mau preparo de alguns de nossos pares. Afinal, o que importa é que sem a taxonomia não se pode saber quais espécies viveram ontem, vivem hoje e terão possibilidade de continuar vivendo amanhã numa determinada área; qual tipo de equilíbrio existe no interior da comunidade que habita uma área e por que reina esse equilíbrio; qual o custo da biodiversidade de uma dada área; o que acontecerá com o equilíbrio biológico de uma área se as condições ambientais que a governam forem alteradas, etc. Enfim, nada disso será possível se não existirem taxonomia e taxonomistas. A FAPESP, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, deu um passo à frente da mais capital importância ao criar o Programa BIOTA/FAPESP, Instituto Virtual da Biodiversidade. Reconhecer a importância da taxonomia dentro da biodiversidade, reconhecer que temos urgência de levantar nossa fauna e nossa flora, reconhecer que o estado de São Paulo carece de especialistas em taxonomia, reconhecer que há necessidade premente de formar novos taxonomistas, é dar um exemplo único ao mundo. é sair à frente em todo o país mostrando que a ciência não tem limites nem aspectos ultrapassados. Carlos E. de M. Bicudo
Instituto de Botânica/SMA
Editor da Flora Ficológica do Estado de São Paulo